Por que a educação tem que ser pública?
Por que a educação tem que ser pública?
Os participantes do Curso Realidade da Educação Brasileira (CREB), promovido pelo IFSP Campus Tupã em parceria com a UNICAMP, decidiram, após a conclusão do curso que formou 70 educadores e educadoras de 13 estados do país, criar um Grupo de Estudos e Ação intitulado Grupo de Estudos e Ação Realidade da Educação Brasileira. De forma coletiva, elaboraram o texto abaixo, que reflete em dez pontos parte das discussões e reflexões desenvolvidas durante o CREB. O objetivo é contribuir para o debate sobre a importância de uma educação pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada no Brasil.
Introdução
A onda neoliberal e conservadora que estamos vivenciando no atual momento histórico traz consigo o avanço das propostas de militarização das escolas e de privatização da educação. Não é de hoje que o grande capital disputa a educação pública, entretanto, com a ascensão de governos neoliberais e neofascistas no último período, sobretudo a partir do golpe de 2016, vem à tona propostas de aprofundamento e aceleração da privatização. Como exemplos recentes, podemos citar o avanço da privatização no Paraná, a qual foi combatida com muita luta pelos educadores e sindicatos. O Estado de São Paulo, sob comando de Tarcísio Freitas, já leiloou alguns pacotes de escolas da rede estadual. Ricardo Nunes, prefeito de São Paulo, não quis ficar atrás e anunciou em entrevistas a proposta de privatização de 50 escolas do município, com a falsa justificativa de que elas teriam nota baixa no IDEB e, portanto, deveriam ser passadas à iniciativa privada para a melhoria dos índices. Mas por que a educação privatizada é um problema?
1- A privatização da educação tem o lucro como objetivo principal, e não o aprendizado, o desenvolvimento humano e social das crianças, adolescentes e adultos. Os principais interessados em privatizar a educação são as grandes empresas, seja de forma direta ou a partir de suas ONGs e entidades filantrópicas. Para eles, a educação é um negócio que pode ser muito lucrativo e, para isso, avançam com estratégias de privatização a partir da oferta de vagas via conveniamento, parcerias, voucher, etc; da gestão, seja da escola ou da rede ou sistema público de ensino; do currículo, a partir da venda de materiais e sistemas de ensino, plataformas, desenhos curriculares e demais insumos pedagógicos. Além da apropriação direta dos recursos do Estado destinados à educação, também pode ser um negócio lucrativo pela valorização das suas marcas a partir do marketing social proporcionado pela inserção na escola pública.
2- Reproduzir e manter a ordem capitalista. Há tempos que o setor empresarial da educação quer ampliar o processo de privatização das escolas do Brasil. Ao privatizar uma escola, esta perde a sua característica de direito acessível a todas e todos e passa a subordinar-se à lógica de exclusão do setor privado. Do mesmo modo, a escola privada tem o objetivo de reproduzir e manter a ordem capitalista, pois a educação se transforma apenas em mais um negócio no mundo da mercadoria. Seu conteúdo crítico, transformador e socialmente referenciado é fortemente atacado, pois não interessa para a educação privada. A escola passa a ser controlada por interesses privados, e seu conteúdo político-pedagógico é fortemente influenciado pelo empresariado da educação. Esse controle busca preservar a posição da classe dominante e formar sujeitos conformados com condições precárias de trabalho e vida. Contribuindo assim, para uma falsa ideia de que o ensino de qualidade é um privilégio e não um direito fundamental garantido pela constituição, aprofundando as diferenças entre escolas públicas e privadas.
3- Precarizar para privatizar. Na tentativa de justificar a privatização, um conjunto de ações materiais e ideológicas são promovidas pela iniciativa privada e seus representantes políticos de plantão. A lógica do precarizar para privatizar é muito recorrente. Precariza-se a escola, propagandeia para a sociedade que ela está ruim, apresenta a solução mágica de chamar a iniciativa privada para resolver o problema criado. Os trabalhadores da educação e estudantes são submetidos a salas superlotadas, com pouca estrutura material, falta de redes de apoio de serviços de saúde e assistência social, acúmulos de cargos e jornadas extenuantes devido aos baixos salários, falta de tempo na jornada de trabalho para preparação de aula, cortes de verbas, etc. Além de um número de professores em contrato temporário que não para de crescer. Só no Distrito Federal foram feitas cerca de dezessete mil contratações de professores/as para suprir carências na rede pública de ensino para o ano letivo iniciado em 10 de fevereiro, ao passo que no ano passado as contratações para professores/as efetivos/as não chegaram a cinco mil. Concurso público já!
4- A educação pública é a única verdadeiramente democrática, que garante acesso para todos os sujeitos da sociedade. Nela o direito à educação de pessoas com deficiência, negras, LGBTs, de classes populares é garantido. A diversidade não é de interesse dos grandes empresários. Para eles, vale mais a exclusão daquele que é diferente do padrão ideal construído por eles mesmos que, em geral, será um padrão branco, masculino, pautado pela meritocracia, pelo capacitismo e pelo darwinismo social. Perpetuando o paternalismo e a violação constante de direitos de grupos vulneráveis.
5- A educação pública, por sua própria natureza, possibilita espaços coletivos de elaboração de seus caminhos, espaços em que a sociedade pode participar e apresentar seus objetivos para educação, refletindo os interesses sociais em sua pluralidade. Mesmo com todos os limites do que é o Estado em uma sociedade capitalista, a Constituinte de 1988 e a LDB de 1996 propõe a gestão democrática enquanto vital para o desenvolvimento da educação. Na escola privatizada não há espaço para a gestão democrática, decisões unilaterais e autoritárias são mais recorrentes. Afinal, quem paga a banda escolhe o som.
6- É a escola pública que atende prioritariamente as classes trabalhadoras. A conquista da educação pública e gratuita no Brasil foi garantida a duras penas pela luta dos trabalhadores e trabalhadoras. O acesso à educação pública e gratuita garantido pela Constituição de 1988, embora com todos os limites, é o que permite que prioritariamente as famílias de trabalhadores e trabalhadoras tenham acesso à escola. A privatização das escolas aprofundará a desigualdade no acesso à educação, reinstaurando um modelo excludente que, assim como no passado, beneficiará apenas uma minoria.
7- A educação pública tem melhores possibilidades de proporcionar condições justas de trabalho. A estabilidade a partir do concurso público vem sendo profundamente atacada no último período. A estabilidade permite o trabalho pedagógico com autonomia, sem a subjugação aos interesses políticos e toda ordem de assédio. A liberdade de cátedra e pedagógica também é gravemente ameaçada pela privatização da educação, uma vez que os interesses políticos e econômicos da gestão empresarial se sobrepõem à autonomia intelectual dos educadores(as).
8- A luta das e dos trabalhadoras/es da educação e dos estudantes tem mostrado as reais necessidades da escola pública. Mesmo num período de pouca mobilização popular, desde 2016 temos acompanhado lutas nacionais por educação organizadas por diversos setores: ocupações de escola, exigência da revogação da reforma do ensino médio, greves em instituições federais e, mais recentemente, o protagonismo dos povos indígenas do Pará por condições de estudo adequadas. Essas lutas mostram que as soluções não passam pela privatização, mas sim por maior investimento, democratização do acesso, formação docente, condições de trabalho e estudo, respeito à democracia, autonomia pedagógica e desenvolvimento do conhecimento crítico para transformação social.
9- A “educação não pode ser uma mercadoria” sempre foi uma pauta de luta do movimento sindical, estudantil e popular. Ela reúne em si uma afirmação de que a educação deve ser um direito acessível a todas e todos, assegurada pelo Estado e gratuita para toda a sociedade. O direito à educação, neste caso, rejeita a ideia de que esta seja mediada pelas relações mercadológicas capitalistas que têm voltado fortes ao debate público com o processo de privatização e mercantilização da educação no Brasil.
10- A educação é um direito constitucional e uma responsabilidade coletiva, devendo ser pública e de qualidade para toda a população. Trata-se de um elemento essencial e inegociável para o desenvolvimento sustentável e a redução das desigualdades, constituindo uma necessidade estrutural para qualquer projeto de nação. A valorização dos/as professores/as passa pela garantia de melhores salários, formação continuada e condições dignas de trabalho, aspectos fundamentais para a qualidade do ensino. O debate sobre o futuro da educação deve priorizar a construção de uma agenda que coloque a escola, os/as docentes, os/as demais profissionais da educação e os/as estudantes no centro das discussões. Nesse sentido, é necessário que o sistema de ensino público receba investimentos adequados, consolidando-se como um pilar inquestionável do progresso e da cidadania, em oposição a um modelo de privatização que compromete o direito universal à educação e acentua as desigualdades sociais.
Texto produzido pelo Grupo de Estudos e Ação Realidade da Educação Brasileira
Esse texto reflete a posição dos autores não necessariamente a da instituição
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